Em 1904 havia uma enorme crise no Rio Grande do Norte causada pela seca, que se prolongava desde o ano de 1902. Em decorrência desse problema uma multidão de mais ou menos 15 mil retirantes vindos do interior “invadiu” a cidade de Natal, que na época que tinha 20 mil habitantes.

O governador da época, Tavares de Lyra, ficou desesperado e enviou um telegrama urgente ao presidente da República do Brasil, Rodrigues Alves, dizendo:
“Pelas estradas, misturadas aos bandos de famintos, notam-se já famílias de antiga representação social, que dispunham de tiva fortuna, aniquiladas pela seca. São inúmeros os furtos pelos campos, sendo já numerosos os assaltos a casas de comercio e residências.
Não resta mais nenhuma esperança de inverno… espetáculo da nudez e fome, mesmo na capital, urgentíssimo. Nesta cidade, além do pessoal aproveitado nos trabalhos da estrada do Ceará-Mirim e de milhares que aguardam passagem, [..), vagam pelas ruas outros milhares de indigentes sem abrigo nem pão, morando da caridade dos habitantes. […]. Começam a aparecer casos de disenteria e varíola”.
Aqui, como no interior, repetem-se diariamente inúmeros óbitos por inanição. Queira vossa excelência O Presidente da República Rodrigues Alves) caridosamente atender a súplica de um estado inteiro, vitimado por uma calamidade que abateu todas as suas energias, reduzindo assustadoramente sua população pela expatriação e pela fome e aniquilando todas as suas forças produtoras.”
(Mensagem de Governo do RN – gov. Augusto Tavares de Lyra. 1904, p. 12-13, 18)

Na foto (de cima) é possível ter noção da quantidade de retirantes que se dirigiram à capital potiguar tentando fugir da seca avassaladora.
Reunidos nas proximidades do Teatro Carlos Gomes, no bairro Ribeira, as pessoas vestiam roupas muito simples, portavam enxadas nas mãos e muitas tinham filhos ainda crianças, ocupando toda a região próxima ao teatro.
O acontecimento, segundo o relatório do inspetor de “hygiene” na época, agravou ainda mais a situação sanitária da cidade: “sem o serviço regular de limpeza pública, sem esgotos, sem calçamento, sem arborização adequada, com a edificação mal orientada e defeituosa, servida por quintais construídos de faxina e latrinas à superfície do solo, a nossa capital será constante presa dos assaltos morbígenos de origens diferentes.”, disse ele.

Depois disso o Governo Federal liberou verbas para o estado do Rio Grande do Norte. Uma parte dos flagelados foi aproveitada na construção da estrada que ligava Natal a Ceará Mirim, em algumas obras de melhoramento na cidade, como aterramento da área alagada na Ribeira, e consequente construção da Praça Augusto Severo, e o aterro da campina da Ribeira. A areia para os aterramentos era trazida pelos flagelados das dunas da Cidade Nova (hoje o bairro do Tirol).
Apesar dessas ações, ainda ocorreram saques no comércio, e ainda fica pior. Surgiu na época uma epidemia de varíola que perdurou até 1905, chegando a matar 20 pessoas em um só dia.
Fonte: “Os “indesejáveis” na cidade: as representações do retirante da seca (natal, 1890-1930)” de Angela L. A. Ferreira (UFRN) e George A. F. Dantas (USP) , “Cidade nova ou cidade das lágrimas?: a construção do terceiro bairro oficial de natal no início do século xx” de Gabriela Fernandes Siqueira (Mestre em História – UFRN)
🔥718 Visualizações
2 Comentários
Marlon Nascimento
(7 de julho de 2020 - 22:25)Como o própio nome do Blog, Curiozzzo, são cenas curiosas de pessoas famintas e sedentas, desesperadas por alimentos e trabalho. Imagino a dificuldade do Governador Rodrigues Alves para atender a invasão dessas pessoas causado pela seca.
Marlon Nascimento
(7 de julho de 2020 - 22:33)Desculpe, troquei o nome do Governador na época da invasão: Tavares de Lyra Governador e Rodrigues Alves Presidente.