Em 1904 Natal (RN) sofreu uma invasão de mais de 15 mil pessoas e o governador foi ao desespero

Em 1904 havia uma enorme crise no Rio Grande do Norte causada pela seca, que se prolongava desde o ano de 1902. Em decorrência desse problema uma multidão de mais ou menos 15 mil retirantes vindos do interior “invadiu” a cidade de Natal, que na época que tinha 20 mil habitantes.

Natal, panorama da Cidade Alta, vista do alto da torre da Matriz: em primeiro plano, a Praça André de Albuquerque; ao fundo, barra de entrada do rio Potengi e (no canto superior direito) cais da Alfândega e parte do bairro comercial da Ribeira. Fonte: J. Cicco, Como se higienizaria Natal, 1920.

O governador da época, Tavares de Lyra, ficou desesperado e enviou um telegrama urgente ao presidente da República do Brasil, Rodrigues Alves, dizendo:

“Pelas estradas, misturadas aos bandos de famintos, notam-se já famílias de antiga representação social, que dispunham de tiva fortuna, aniquiladas pela seca. São inúmeros os furtos pelos campos, sendo já numerosos os assaltos a casas de comercio e residências.

Não resta mais nenhuma esperança de inverno… espetáculo da nudez e fome, mesmo na capital, urgentíssimo. Nesta cidade, além do pessoal aproveitado nos trabalhos da estrada do Ceará-Mirim e de milhares que aguardam passagem, [..), vagam pelas ruas outros milhares de indigentes sem abrigo nem pão, morando da caridade dos habitantes. […]. Começam a aparecer casos de disenteria e varíola”.

Aqui, como no interior, repetem-se diariamente inúmeros óbitos por inanição. Queira vossa excelência O Presidente da República Rodrigues Alves) caridosamente atender a súplica de um estado inteiro, vitimado por uma calamidade que abateu todas as suas energias, reduzindo assustadoramente sua população pela expatriação e pela fome e aniquilando todas as suas forças produtoras.”

(Mensagem de Governo do RN – gov. Augusto Tavares de Lyra. 1904, p. 12-13, 18)

Grande número de retirantes da seca nas proximidades do Teatro Carlos Gomes, em Natal em 1904. Fotografia: Bruno Bougard, 

Na foto (de cima) é possível ter noção da quantidade de retirantes que se dirigiram à capital potiguar tentando fugir da seca avassaladora.

Reunidos nas proximidades do Teatro Carlos Gomes, no bairro Ribeira, as pessoas vestiam roupas muito simples, portavam enxadas nas mãos e muitas tinham filhos ainda crianças, ocupando toda a região próxima ao teatro.

O acontecimento, segundo o relatório do inspetor de “hygiene” na época, agravou ainda mais a situação sanitária da cidade: “sem o serviço regular de limpeza pública, sem esgotos, sem calçamento, sem arborização adequada, com a edificação mal orientada e defeituosa, servida por quintais construídos de faxina e latrinas à superfície do solo, a nossa capital será constante presa dos assaltos morbígenos de origens diferentes.”, disse ele.

Imagem mostra vários retirantes em manifestação no bairro Cidade Alta em 1904. Fotografia feita por Bruno Bougard.

Depois disso o Governo Federal liberou verbas para o estado do Rio Grande do Norte. Uma parte dos flagelados foi aproveitada na construção da estrada que ligava Natal a Ceará Mirim, em algumas obras de melhoramento na cidade, como aterramento da área alagada na Ribeira, e consequente construção da Praça Augusto Severo, e o aterro da campina da Ribeira. A areia para os aterramentos era trazida pelos flagelados das dunas da Cidade Nova (hoje o bairro do Tirol).

Apesar dessas ações, ainda ocorreram saques no comércio, e ainda fica pior. Surgiu na época uma epidemia de varíola que perdurou até 1905, chegando a matar 20 pessoas em um só dia.

Fonte: “Os “indesejáveis” na cidade: as representações do retirante da seca (natal, 1890-1930)” de Angela L. A. Ferreira (UFRN) e George A. F. Dantas (USP) , “Cidade nova ou cidade das lágrimas?: a construção do terceiro bairro oficial de natal no início do século xx” de Gabriela Fernandes Siqueira (Mestre em História – UFRN)

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Henrique Araujo

O criador do Curiozzzo é formado em Sistemas de Informação, já foi dono de startups, administrador de grupos, empresário, mas sempre foi um amante da internet, primeiro como desenvolvedor e depois como produtor de conteúdo, desde a chegada dela no Brasil. Em 2014 criou o blog e encontrou na história e na cultura de onde mora uma nova paixão. Hoje ele leva o Rio Grande do Norte para o mundo de forma respeitosa, criativa, curiosa e única. Siga-o: instagram.com/henrique.e.araujo

2 Comentários

  • Marlon Nascimento

    (7 de julho de 2020 - 22:25)

    Como o própio nome do Blog, Curiozzzo, são cenas curiosas de pessoas famintas e sedentas, desesperadas por alimentos e trabalho. Imagino a dificuldade do Governador Rodrigues Alves para atender a invasão dessas pessoas causado pela seca.

    • Marlon Nascimento

      (7 de julho de 2020 - 22:33)

      Desculpe, troquei o nome do Governador na época da invasão: Tavares de Lyra Governador e Rodrigues Alves Presidente.

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