Este post fala de um terrível local de trabalho forçado e tortura no Rio Grande do Norte que é desconhecido de muita gente. Um verdadeiro campo de concentração no estado.
Tudo começa entre 1877 e 1879, durante o período imperial, quando o Nordeste brasileiro sofreu a chamada “Grande Seca”. Uma seca histórica devastadora associada ao fenômeno El Niño, que deixou moradores do campo sem chuvas, sem colheita, sem plantio, com perda de rebanhos e fugindo com suas famílias, durante três anos seguidos.

Um ano depois do início da “Grande Seca”, no ano de 1878, na província do Rio Grande do Norte, entre Ceará-Mirim e Extremoz, foi fundada uma colônia chamada “Colônia Agrícola de Sinimbú”.
A construção da Colônia Agrícola Sinimbú foi pensada pelas autoridades no Rio Grande do Norte em 1878 como uma “oportunidade” para resolver o problema do controle sobre a força de trabalho do homem pobre livre. A fundação da colônia serviu também para dar destino à parte da grande quantidade de retirantes que chegava à capital da província e lotava as ruas em busca de socorros.

Neste lugar chegaram a reunir-se cerca de 6600 homens e mulheres pobres, fugindo da terrível desta Seca, mas também motivados pela promessa de representantes do poder local e central de acesso a moradia e cuidados médicos e trabalho.
Mas não foi bem isso que os retirantes encontraram lá. Ao chegarem ao local os retirantes se deparavam com um estabelecimento agrícola em péssimas condições, que chamava a atenção pela penúria e violência constante, conforme denúncia apresentada nos relatórios presidenciais daquela época.

O diretor da Colônia, um português chamado Arsênio Celestino Pimentel, formado em Coimbra, que cometeu algumas atrocidades cujos relatos são de arrepiar.
Ao se instalarem na Sinimbú, os colonos eram sujeitados aos mais diferentes tipos de violência, como o uso da forquilha ou quadrado, espancamento com pedaço de pau e negligência de socorros médicos. Eles morriam em consequência dos castigos físicos, e só eram conduzidos ao jazigo em certos casos, após a quase total decomposição da matéria, sendo os cadáveres devorados por porcos, aves e cachorros.

Eles eram, em sua maioria, migrantes flagelados da seca e estavam sob a tutela de um funcionário nomeado pelo presidente de província, ou seja, um funcionário a serviço do Império, do qual os flagelados esperavam proteção, assegurando o acesso aos gêneros de primeira necessidade e outros meios que possibilitassem a sobrevivência.
Estes trabalhadores buscaram socorros, mas tiveram em seu lugar a negligência e o chicote, os quais se recusaram a aceitar passiva e resignadamente, levantando-se contra os abusos de certos governantes locais e alguns de seus representantes.

Em testemunho, Maria Ventura e Preto Marianno, dois colonos de Sinimbú, disseram que viram um cão comendo o queixo de um cadáver, o qual só foi enterrado trez dias depois. Segundo Maria Ventura, “alguns eram tão mal sepultados, que os cães e os urubus os iam devorar, e outros, desesperados de fome, saiam da colônia e iam acabar de morrer nos tabuleiros, onde serviam de pasto aquelas aves”.
De acordo com estes colonos, era costume dentro da colônia enterrar em uma mesma cova cinco ou seis cadáveres, postos ali de qualquer maneira facilitando a ação de animais carniceiros. Os relatos reafirmam a terrível situação do local e a negligência por parte da direção, principalmente quanto aos enterramentos dos colonos, que facilitava a ação de cães e aves carnívoras que comiam os defuntos, uma vez que estes permaneciam horas ou dias sobre o solo.
Já o caso de Luiz do Pastorinho da Silva, retirante do lugar chamado Campo Grande, que chegado à Colônia no dia 5 de Julho, com 6 pessoas da família, diz que viu um negro que, por ter pedido socorro ao diretor para se alimentar, sofreu um castigo de ser amarrado à uma forquilha das 10h da manhã até ás 4h da tarde, depois de haver recebido algumas pancadas de pau no peito pelo mesmo diretor.

Ainda segundo os relatos havia um homem chamado Antônio Bezerra Cavalcante, mais conhecido por “Antônio-canela” ou “Quebra-canela”, da confiança do diretor Arsênio, que havia surrado de maneira “descomunal” um colono de nome Pedro Severino, porque ele dissera que todos os distribuidores dos gêneros eram ladrões.
De acordo com a comissão, este fato seria também confirmado por Maria Ventura da Anunciação, natural de Alagoa Nova (hoje município de Lagoa Nova), e viúva de Lino José do Nascimento, que também residia na colônia desde seu começo. Maria da Anunciação relatara que ouviu “a um tal Antônio Luiz, testemunha ocular, que outro negro sem que se sabia qual o seu crime, foi amarrado pelos pés de cabeça para baixo, e “faleceu no fim de 4 dias!”.
As denúncias contra os diretores de Sinimbú, especialmente contra Arsênio, aparecem no relatório do 1º vice-presidente Manuel Januário Bezerra Montenegro de 1878, que registra os relatos dos colonos.
Veja a fotografia do lugar onde ficava a Colônia, descrito pela comissão que desenvolveu o estudo:
A gente sabe que esse assunto é bem mais complexo e extenso, e se tornaria cansativo aqui no blog, então para ler mais sobre ele leia “Colônia agrícola Sinimbú: entre a regularidade do espaço projetado e os violentos confrontos do espaço vivido” (Rio Grande do Norte, 1850-1880) de autoria do historiador João Fernando Barreto de Brito.
E se gostou continue sua leitura por aqui: Em 1904 Natal (RN) sofreu uma invasão de mais de 15 mil retirantes da seca e o governador foi ao desespero
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1 Comentário
Maria das Graças de Menezes Venâncio
(8 de dezembro de 2020 - 15:47)Surpreendente o relato da seca e do exôdo dos fragelados para uma área prometida. Vou reler para ver quem era o gestor responsável, bem como a localização que diz muito. Seu blog é muito bom mesmo. Extenso trabalho de pesquisa e profundo. Vou lhe confessar tenho colocado meu site como GraçaVenâncioBijoux como uma estratégia de marketing mesmo. Sou funcionária pública e não posso criar empresa, além do mais o diferencial é que os colares e pulseiras que faço são artesanais e tenho uma produção mínima. Mas, a história é impressionante.