A misteriosa e assustadora “noite dos holofotes” em Natal (RN)

Natal, Rio Grande do Norte, 29 de Março de 1910. Numa noite escura e fria, de sua casa, na Rua do Comércio (atual Rua Chile, número 44), Luís da Câmara Cascudo, um garoto de apenas 11 anos, e sua mãe Ana Maria Cascudo, olham bastante assustados para o céu sem entender nada do que viam. 

Do ponto em que estava, Cascudo via luzes fortes que iluminaram o mangue do outro lado das tranquilas águas do Rio Potengi. Feixes potentes e incomuns de luz se moviam rapidamente e se elevaram no horizonte, cortando coqueiros e dunas, chegando até o Refolés, local onde atualmente se encontra a Base Naval de Natal. Mas o que era aquilo?

Em palavras dele: “os feixes cruzavam-se, confundindo no espaço como num duelo dantesco de enormes serpentes vestidas de relâmpagos”.

Luís da Câmara Cascudo, sua mãe e seu pai.

O pai de Cascudo, o comerciante Francisco Justiniano da Oliveira Cascudo, colocou rapidamente o filho para rezar em alto e bom som um “Salve Rainha” e que fosse dito “sem errar”. Mas não foi apenas na casa da família Cascudo que o medo naquela noite tomou conta.

As casas vizinhas também estavam em pânico. Dava para ouvir comentários assustados e ladainhas desesperadas e bastante agitação. As pessoas não sabiam o que fazer, arrombando até a igreja do Bom Jesus da Ribeira.

Apesar do relato de Câmara Cascudo em 1942 na sua coluna “Acta Diurna” (jornal A República), como testemunha viva do fato ocorrido neste dia, quem explica isso é Rostand Medeiros, historiador e pesquisador potiguar do blog TOK de História.

E, sinceramente meus amigos, essa história é de arrepiar!

14 horas antes…

Rua Doutor Barata, bairro da Ribeira.

O dia 29 de março do ano de 1910, dia do fenômeno assustador, era uma quarta-feira. A pequena e graciosa cidade rural de Natal, que tinha pouco mais de 27 mil habitantes, acreditem ou não, tinha temperaturas que variavam entre 22 e 23 graus por volta das sete da manhã. Algo inimaginável nos dias de hoje, né não?!

Pela manhã cedo era comum que as pessoas visitassem o Mercado Público na Avenida Rio Branco, o principal entreposto de vendas de alimentos. Outros locais procurados sempre pela manhã eram as igrejas de Nossa Senhora da Apresentação, do Galo, a de Nossa Senhora do Rosário, ou de Bom Jesus, onde o povo natalense seguia para orar, ascender velas e participar de missas. As três primeiras localizadas na Cidade Alta e a última na Ribeira.

Nessa cidade calma e em meio a um tempo frio, e talvez nublado, porque onde no dia anterior tinha havido uma forte chuva com testemunhos de trovões e relâmpagos, o dia 29 de março de 1910 foi avançando e logo a noite foi chegando.

Sinais?

Um dos lampiões de gás acetileno, que iluminavam a Rua do Comércio, atual Rua Chile, onde vivia em 1910 a família de Luís da Câmara Cascudo.

O historiador Rostand Medeiros chama atenção que, com a chegada da noite, o normal era que os lampiões da “Empresa de Iluminação a Gás Acetileno” estivessem acesos em seus postes de ferro, clareando basicamente o bairro da Ribeira. Mas isso não ocorreu naquele dia. Teria havido algum problema na iluminação?

Bom, no livro História da Cidade do Natal, de Câmara Cascudo, diz que essa iluminação ficava apagada três dias antes e três dias depois da fase em que a lua estava cheia. Só que naquele mês de março (1910), a lua cheia estava marcada para o dia 27, conforme a primeira página do jornal “A República” do dia 26.

Vale lembrar que naqueles anos não existia luz elétrica nas residências. Aliás, nem rádio, televisão, computador, aparelhos celulares, internet e outras maravilhas modernas. O estilo de vida do natalense era simples. O jantar normalmente era servido às seis da noite. Depois, o que havia para fazer era se reunir com os parentes em casa, ler algo à luz de um candeeiro de querosene, ou simplesmente pegar uma cadeira ou um tamborete e sentar nas calçadas pra conversar com os vizinhos. Então a noite, ainda bem cedo, grande parte da população ia dormir.

E então aconteceu!

Foto meramente ilustrativa

Os relatos da época são de que do nada, de forma repentina e surpreendente, o céu foi iluminado por feixes de uma luz clara, branca, radiante e muito forte.

As pessoas ficaram realmente assustadas, a cidade em polvorosa e em épocas como aquela, e que as informações eram escassas e a tecnologia praticamente inexistente, é de se imaginar que isso era motivo de grande pavor.

O medo foi tanto que arrombaram uma das portas da Igreja do Bom Jesus das Dores da Ribeira para pedirem salvação dos céus. A porta voou em pedaços segundo Cascudo.

Dois dias depois o famigerado o jornal “A República” trazia na sua primeira página uma nota, dizendo que “o fenômeno” tinha sido causado pelos potentes holofotes de um dos maiores e mais poderosos encouraçados do mundo: o Minas Gerais, uma nave verdadeiramente espetacular para seu tempo, que na ocasião estava em uma passagem pela capital potiguar.

O “Minas”, como era conhecido, possuía enormes canhões de grosso calibre, alcançava velocidade máxima de 21 nós (39 km/h) e deslocava quase 20.000 toneladas, uma verdadeira bateria de ferro e fogo. A nave foi lançada nas águas em setembro do ano seguinte e comissionado em abril de 1910. Logo o medo do povo natalense passou, e surgiu certo encantamento, pela capital potiguar ter sido a “primeira cidade brasileira iluminada pelos potentes holofotes do encouraçado Minas Gerais”, mas…

O colossal navio Minas Gerais já completamente pronto e à todo vapor nas águas

Mas não foi o navio!

Acontece que não foi o Minas Gerais que realizou esse procedimento naquele dia em Natal, pois na noite de 29 de março de 1910 a nave de guerra não se encontrava na costa brasileira. 

Os primeiros brasileiros que comunicaram terem visualizado o Minas Gerais junto com o “USS North Carolina” – navio americano que se juntou ao “Minas” em Março para seguirem para o Brasil – foi o pessoal do farol da cidade de Salinópolis, no Pará. O caso ocorreu na tarde de 31 de março de 1910, quase dois dias depois do caso de Natal, onde luzes misteriosas que aparentemente eram de holofotes apareceram.

Bom, sabemos que não era incomum navios passarem pela costa potiguar e de pernambuco, e que nessa época, os navios utilizassem seus holofotes, pois o radar ainda não havia sido inventado. O uso desse tipo de iluminação estava condicionado a situações como: a necessidade de navegação segura, a localização de obstáculos, a transmissão de sinais e a busca de náufragos.

O pesquisador Rostand Medeiros cita ainda que um barco que utilizasse de maneira indiscriminada holofotes de alta potência e longo alcance sobre uma cidade, sem adentrar o seu porto – o que justificaria o uso dos holofotes, certamente é uma situação chocante e anormal, o que supostamente poderia até ser considerado crime.

E o que foi então?

Pelos dias posteriores ao que aconteceu em 29 de março de 1910, as notícias sobre o Minas Gerais que circularam no A República focaram apenas na sua chegada ao Rio de Janeiro, então Capital Federal. Comentaram principalmente sobre a animada festa que aconteceu no porto da cidade, onde não faltaram manifestações patrióticas e nacionalistas.

Assim, além das notícias publicadas em A República, nenhum outro jornal, ou qualquer documento oficial, trouxe novas informações sobre a passagem do “Minas” pela capital potiguar, e nem sobre a utilização de holofotes noturnamente causando alarde na cidade.

Este dia ficou assim conhecido como “Noite dos Holofotes de Natal”, e não se sabe até hoje o que foi que  assustou a cidade com luzes como aquelas em 29 de março de 1910. 

Gostou? Veja também: o dia de pânico em que os habitantes do RN pensaram que o mundo estava se acabando

Informações: TOK de História

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Henrique Araujo

O criador do Curiozzzo é formado em Sistemas de Informação, já foi dono de startups, administrador de grupos, empresário, mas sempre foi um amante da internet, primeiro como desenvolvedor e depois como produtor de conteúdo, desde a chegada dela no Brasil. Em 2014 criou o blog e encontrou na história e na cultura de onde mora uma nova paixão. Hoje ele leva o Rio Grande do Norte para o mundo de forma respeitosa, criativa, curiosa e única. Siga-o: instagram.com/henrique.e.araujo

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