Pra quem não sabe Natal (RN) também é conhecida como “Capital Espacial do Brasil”. Isso porque houve um tempo em que a cidade foi palco de vários lançamentos de foguetes em parceria com a NASA (Agência Espacial Norte Americana).
Chegou um determinado momento em que era tão comum ver rastros dos foguetes no céu, que isso já nem chamavam mais a atenção dos natalenses, mas, no geral, os espetáculos “espaciais” enchiam o povo de orgulho, afinal a cidade era referência no assunto no Brasil todo. Tanto que o mito Luiz Gonzaga até colocou na sua música “Nordeste Pra Frente” o seguinte refrão:
“Caruaru tem sua universidade
Campina Grande tem até televisão
Jaboatão fabrica jipe à vontade
Lá de Natal já tá subindo foguetão…”
Bom, isto foi na década de 70, em plena Guerra Fria, um período em que o mundo tinha medo do que poderia acontecer entre as potências EUA e Rússia, mas o natalense não dava a mínima atenção àquele conflito ideológico todo, era algo distante da realidade.
Até o dia em que soviéticos decidiram espionar descaradamente nosso centro de lançamento de foguetes, e olha que história impressionante…
Primeiramente a Barreira do Inferno

Estes foguetes que cortavam os céus de Natal partiam do Centro de Lançamento de Foguetes da Barreira do Inferno – ou simplesmente Barreira do Inferno – que na época era o único local no país onde aconteciam lançamentos do tipo. A ideia da Barreira surgiu através de uma parceria em 1956 com os Estados Unidos, que chamaram o governo brasileiro para a criação de uma estação de rastreio de veículos espaciais em Fernando de Noronha.
O governo brasileiro decidiu então construir uma base de lançamento de foguetes, e para isto três locais concorreram entre si para a instalação: Fernando de Noronha, Aracati (Ceará) e a região próxima a praia de Ponta Negra. Após uma análise, decidiram que Ponta Negra era o local ideal.
Em 5 de outubro de 1964 teve início a construção das primeiras edificações da Barreira. Foram utilizados até grupos de presidiários de bom comportamento na construção da estrada de acesso à base, que foi chamada primeiramente de “Campo de Lançamento de Foguetes de Ponta Negra”.
Eis que em 15 de dezembro de 1965 ocorreu o primeiro lançamento de um foguete por lá. Um foguete americano de dois estágios tipo NIKE-APACHE, filho da cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos, com a participação de técnicos da NASA.
A localização da Barreira do Inferno, ali na esquina do Brasil, chamou a atenção
Por essa localização no Nordeste do Brasil, próximo a linha do Equador, as instalações da BI começaram a chamar a atenção de outros centros de desenvolvimento espacial espalhados pelo mundo afora.
Vários projetos internacionais foram firmados entre o nosso país e centros de pesquisa estrangeira

A NASA e o Max Planck Institute, organização de pesquisa científica da Alemanha, se tornaram utilizadores habituais das instalações da Barreira do Inferno e seus cientistas eram clientes comuns do novo hotel dos Reis Magos, na praia do Meio.
Em apenas 7 anos a Barreira do Inferno já havia disparado mais de 300 foguetes

De dezembro de 1965 a março de 1972 a Barreira do Inferno já havia disparado um total de 381 foguetes. Foguetes tipo Nike-Ajax, Nike-Cajun, Nike-Iroquois, Javelin e Aerobee.
O lançamento de número 382 estava previsto para ocorrer no dia 7 de março de 1972

Era o modelo Black Brant 5C, fabricado pela empresa canadense Bristol Aerospace. O disparo aconteceria ao custo de 1 milhão de dólares, e era totalmente financiado pela Alemanha.
A carga útil do foguete pesava 98 quilos, e seria recuperada a cerca de 268 km de distância da base. Black Brant 5C atingiria a altitude máxima de 230 km e após o fim do combustível cairia livremente até 4.500 metros de altitude, quando seria acionado seus paraquedas e a carga desceria tranquilamente no oceano.

Essa carga seria recuperada com o trabalho conjunto de uma corveta do Grupamento Naval do Nordeste da Marinha do Brasil e dois helicópteros SAR (do inglês: Search And Rescue – busca e salvamento) da Força Aérea Brasileira.
Por serem normalmente disparados foguetes cuja recuperação de sua carga útil atingia em média e metade da altitude do Black, a FAB e a Marinha “cercaram o perímetro” num raio de 111 km, e e por razões de segurança todo o tráfego aéreo marítimo foi proibido.
Então a segurança foi reforçada e todos os recursos possíveis estavam disponíveis

O evento contava com forte esquema de segurança e presença de autoridades, estavam lá desde o Ministro da Aeronáutica à toda a cúpula da FAB, e do pessoal diplomático e técnico alemão.
Aeronaves de patrulha Lockheed P-15 Neptune, também estavam à disposição para manter a cobertura área segura, a FAB disponibilizou logo duas unidades de um esquadrão de aviação sediado em Salvador, Bahia.
E foram os membros deste esquadrão que localizaram em alto mar, às 10h da manhã do dia 1 de março, um penetra…

As aeronaves da FAB tinham potentes radares de busca, podiam voar horas sobre o mar, e segundo os jornais da época teriam detectado um forte sinal que aparentava ser de um navio de grande porte, agindo de maneira suspeita em águas territoriais brasileiras. Prontamente eles foram investigar.
Os tripulantes se depararam com um grande navio equipado com enormes antenas parabólicas, navegando lentamente a cerca de 144 milhas náuticas (266 km) da costa de Natal. Os dados mostraram que ele estava 103 km pra dentro das águas brasileiras, em clara violação segundo as leis do nosso país.
Era um enorme e recém-lançado navio soviético de monitoramento espacial chamado Cosmonauta Iuri Gagarin

O navio estava em operação desde 1971, e corria os mares carregado com alta tecnologia russa, e em clara missão de espionagem tecnológica. Sua silhueta se caracterizava pela existência de quatro grandes antenas parabólicas. Elas serviam para monitorar tudo que fosse interessante e relativo a área espacial dos países ocidentais.
Segundo o então comandante da operação de lançamento do foguete Black Brant 5C, o coronel aviador Paulo Henrique Correia do Amarante, não havia dúvidas que o navio Cosmonauta Iuri Gagarin estava no mar territorial brasileiro para monitorar e rastrear o lançamento do foguete adquirido pelos alemães, mas apesar da sua imponência, para os pilotos do P-15 Neptune ou ele caia fora dali, ou poderiam sofrer alguma consequência.
Então os caças da FAB entraram em ação

O coronel Amarante então ordenou uma primeira aproximação para fotografias, só depois os P-15 Neptune da FAB realizaram voos rasantes, passando bem próximo às antenas e o mastro do navio.
A tripulação do Iuri Gagarin prontamente acelerou as máquinas e deslocou o navio para fora de nossas águas em direção à Fernando de Noronha.
Para os militares brasileiros o lançamento do foguete Black Brant 5C e a parceria teuto-brasileira não tinha nada de secreto. Tanto que as atividades na Barreira do Inferno eram amplamente divulgadas. Deduziu-se então que a presença do navio soviético, violando as novas águas territoriais brasileiras e arriscando um possível problema diplomático, era um claro aviso intimidador aos alemães que os soviéticos estavam plenamente atentos as suas atividades aeroespaciais, ocorressem elas onde ocorressem. Apenas uma ação típica de Guerra Fria.
Eis que o foguete decolou!

Apesar de alguns atrasos devido à chuva, exatamente as 7:32 da manhã do dia 8 de março de 1972, o Black Brant 5C foi lançado da Barreira do Inferno em direção ao Sol.
Ele alcançou 230 km de altitude e 10 minutos depois sua carga útil, que continha equipamentos eletrônicos de medição, tocou o Oceano Atlântico.
A FAB não avistou mais o navio Cosmonauta Iuri Gagarin, mas militares informaram que foram visualizadas duas lindas e imensas baleias próximas ao material espacial, que, segundo relatos, foram completamente indiferentes a presença humana no seu território.
Da espionagem às baleias! Se gostou veja 30 segundos de vídeo da base militar americana em Natal durante a 2ª Guerra
Fonte: Jornal do Brasil, edições de 7,8 e 9 de Março de 1972, páginas 4, 7 e 18. Com informações de TOK de História.
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O dia de pânico em que os habitantes do RN pensaram que o mundo estava se acabando | Curiozzzo
(8 de fevereiro de 2018 - 17:21)[…] anos 70 e 80 a Barreira do Inferno, base da Força Aérea Brasileira para lançamentos de foguetes em Parnamirim (a 12km de Natal), […]