Povoado de Campinas, São Gonçalo do Amarante, Rio Grande do Norte. Foi lá onde nasceu e cresceu a valente e inquieta Ana Maria Valcácio da Silva, a mais velha entre seus 10 irmãos.
Nascida por parto natural, velha tradição familiar, é claro, a menina Ana passou sua infância cortando as barrigas das bonecas grandes para colocar as menores lá dentro. Ela havia vindo ao mundo com um forte fascínio pela maternidade, que mais tarde lhe renderia um talento excepcional e fama.

Eis que um dia passou por uma mulher grávida na rua que a chamou: “menina, venha cá! Dá pra você me ajudar aqui? É que eu não ando mais e não tem ninguém em casa”. A mulher então deu a luz com ajuda da jovem Ana, que na ocasião só tinha 16 anos.
Depois disso veio uma vida dividida entre seus afazeres e as corridas pelas bodegas, farmácias e casas da cidade, tudo em nome do socorro a parentes e vizinhos. Mas, sua prova de fogo como parteira se deu cerca de dois anos depois.
Ana, que já havia se transmutado para “Ana Parteira”, certo dia foi chamada em uma comunidade quilombola de nome Salgado, para ajudar uma mulher em processo de parto quase abortivo.
“Ela [ a mulher ] tinha ido tomar banho na maré, onde é muito perigoso para se ter um aborto. Quando eu chego com meu material, vi cacete comendo, gente correndo atrás de mim e me xingando de menina sem-vergonha, dizendo que aquilo era assunto de mulher. Entrei rápido na casa dela e fechei tudo. Então eu disse: agora quem está aqui sou eu. Possuo uma seringa, uma tesoura e uma agulha, se alguém entrar pra me matar, vou furar muita gente”.
Em meio aos desaforos da multidão lá fora, Ana limpava e ajudava a mulher respondendo: “Não sou menina, não, sou uma nega veia parideira, estou acostumada a fazer parto!”.

Mais tarde a jovem ‘Ana Parideira’ se tornou ‘Donana’, mulher experiente, destemida e curiosa, que contabiliza hoje, aos 65 anos de idade, mais de mil partos.
Tornou-se espírita, trabalhou com teatro, foi líder da comunidade e coordenadora do grupo da Pastoral da Juventude, e depois virou presidente da Associação Nossa Senhora do Bom Parto com mais 36 parteiras filiadas.
Ela teve cinco filhos, todos paridos em casa obviamente, um morreu ainda bebê.
Ela sabe bem do preconceito que ainda existe contra sua profissão:
“As pessoas acham que a parteira é perigosa, coisa de macumbeira, bruxaria. A mulher vai na ultrassonografia, aí dá que a criança não tem como nascer naturalmente. Aí a parteira vai e faz o parto. Temos nossos modos de sentir, tatear, sentir onde tem uma cabeça, a lateral das costas”, desabafa.
Da margem de um rio à mata fechada, seu conhecimento de quase 50 anos como parteira já ajudou mulheres a parir nos lugares mais inusitados.
Seu papel na comunidade Campinas e em toda São Gonçalo do Amarante vai além de partejar, mas também de prestar assistência às mulheres na hora do parto.

“Onde eu moro, não sou simplesmente uma parteira. Sou uma das mulheres que está em casa disposta a sair de manhã cedo, de noite, de madrugada para ajudar alguém. Já entrei em casas em condição difícil”, explica.
Por 10 anos Donana realizou partos de mão limpa, sem luva cirúrgica, e sem um único caso de infecção.
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Com informações de Conrado Carlos e imagens de John Nascimento para o Substantivo Plural
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1 Comentário
Franklin
(13 de maio de 2019 - 01:23)Oi. Parabéns pela matéria! Gostei muito de conhecer alguém com a Dona Ana. Tenho respeito e admiração pelos mais velhos que sempre tem algum ensinamento pra passar e deixar e deixar pra gente e, com certeza ela tem muitos pra deixar pras futuras gerações. Vida longa, Donana!!